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As lições de Mulheres Machonas Armadas Até os Dentes

Finalmente, esse é o post que eu queria fazer desde o início sobre o RPG Mulheres Machonas Armadas até os Dentes. Primeiro a gente apresentou o que é esse artefato RPGístico, depois discutimos as regras e se mesmo assim você não sabe do que eu estou falando, então senta que agora o papo vai engrossar. Se te interessar saber mais, depois procura as outras partes do texto no link que vou colocar abaixo ou dá uma conferida no Youtube que a essa altura o vídeo já está completo na plataforma. Até acho que vou colocar ele abaixo no terceiro parágrafo para encher linguiça. Mas antes de eu me aprofundar na pergunta que permeia esses três vídeos, eu peço que nos siga na sua rede social favorita. Os links tão todos no topo da página. Então senta o dedo nos links, pega um cafézinho, tá na hora da conversa ficar séria.

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Disclaimer sobre o autor

Galera, antes de entrar nessa terceira parte eu quero discutir um ponto bem sério com vocês. Ao longo dos meus textos e vídeos, eu vou tentar ao máximo me afastar dessa estética de autoridade no assunto, que nem muitos youtubers fazem. Então antes de mais nada, eu não sou a porra de um guru. Não estou aqui para vender verdades absolutas e tá tudo certo vocês discordarem de mim. O que eu estou fazendo aqui a minha análise desse material onde eu vou trazer um certo olhar acadêmico sobre ele.

Então óbvio que o que eu estou trazendo aqui é uma visão de mundo embrulhada como piada para o assunto não ser tão chato ou pesado. Se eu fizesse um texto só reclamando de lacração ou metendo pau em redpill, talvez o papo fosse até mais engraçado e gerasse mais engajamento, mas não. Eu quero mesmo é discutir RPG, fazendo paralelismos com o mundo real através de um olhar de historiador, professor e de estudante de estudos culturais. Por isso, tá na hora da gente discutir o machismo em mulheres machonas armadas até os dentes.

Ah, também vou repetir 30 vezes as palavras Mulheres Machonas Armadas até os Dentes pois o SEO do google me obriga a ficar repetindo isso para ter o site melhor ranqueado nas pesquisas. É triste, mas eu tenho que ficar repetindo várias vezes, como se vocês fossem crianças para entender.

A construção dos estereótipos de Mulheres machonas armadas até os dentes

Acho que todos concordaram que nosso RPG lida e incentiva estereótipos de mulheres. Estereótipos que o tempo todo vão transitar entre a mulher violenta, que resolve no grito, na porrada e na mulher sedutora, que resolve com apelo sexual seduzindo ou pedindo com carinho. Também é supervalorizada aqui a estética das personagens, pois se as mesmas usarem armadura diminuirá seu atributo visual. E por fim, a ausência do atributo inteligência nas personagens incentiva o jogador a resolver de maneiras fisicamente ativas os seus dilemas. Com base nas informações que eu disse até agora, esse estereótipo montado, é machista?

Esse é o ponto que eu vou ser um cuzão com vocês e não vou responder essa pergunta. Mas vou convidar você a refletir sobre isso. 100 anos atrás, se você, menina pedisse para estudar em uma escola mista, seu pai ia dizer prontamente: “- Negativo! Minha filha não é uma puta!” E agora eu quero que você pense como era lá no fim da década de 80, quando esse RPG foi montado. Pense também na transição do tempo até hoje. Na época, eu tenho certeza de que era machista! Mas hoje, quase 40 anos depois que ele foi lançado, seu significado sofreu alterações. Já estamos mais receptivos para filmes e seriados com protagonistas femininas inclusive com as regras desse cenário de RPG.

Esse fenômeno que vivemos, muitos autores o chamam de pós-modernidade. Os significados das coisas sofreram transformações na pós-modernidade e não tem nada de errado nisso! Por exemplo: nos anos 80, para ser uma drag queen você tinha que ser homem! Hoje, na pós-modernidade uma mulher pode ser drag queen! Então agora que trabalhamos a ideia de pós-modernidade, vamos dar um segundo passo para nossa análise.

O estereótipo da mulhere machona

Citando a feminista Negra Patrícia Hill Collins, essa imagem sexualizada da mulher que a gente traz aqui é uma imagem de controle. A imagem de controle é a representação de um estereótipo dentro dos padrões aceitáveis na sociedade. Essa imagem limita as possibilidades de expressão autêntica dos grupos minoritários e reforça as normas sociais existentes, mesmo quando aborda temas considerados “libertadores”, como a sexualidade feminina. Então essa representação de mulher poderosa que trazemos aqui, mesmo que pareça quebrar padrões, ela está dentro do padrão esperado de uma “mulher quebradora de padrões”.

A primeira vez que eu vi essa leitura de imagem de controle foi no vídeo da Angelfood McSpade do Quadrinhos na Sargeta. Lá embaixo vou deixar a referência do canal do Alexandre Link para quem quiser ver. O vídeo do Link tem tudo a ver com a Patrícia Hill Collins. Mas eu quero avançar um pouco mais nessa discussão. Quero apontar estratégias para superar esses estereótipos. Por isso vou trazer para essa conversa o conceito de transcodificação. Esse conceito já foi trabalhado por diversos autores, mas me interessa aqui a visão de Stuart Hall. De uma maneira bem chula, é claro. Transcodificar significa dar um novo significado, Hall aponta três estratégias para a gente fazer isso. A inversão do estereótipo, a substituição de imagens e a contestação do estereótipo a partir de si mesmo.

Mulheres Machonas Armadas Até os Dentes e quebrando padrões

O primeiro caso vamos pegar como exemplo inverter a inversão da mulher santa, contida e reservada. Se eu só trabalhar o oposto, vai gerar identificação, liberdade, mas ainda vou ter na outra extremidade o que os conservadores chamariam de mulher vulgar, para ser educado. Essa estratégia carece de contestação do status vigente, então pode não chegar direito aonde a gente quer. Lembra os filmes da década de 80 que ao abandonar a imagem de um negro subserviente, criaram a imagem do negro que manda nos brancos, violento, sexualizado, transgressor das leis.

Já o segundo caso seria trabalhar imagens novas de mulheres inteligentes, poderosas, donas de si. Essa estratégia é boa. Vai gerar identificação ao inundar a mídia com mulheres ocupando outros espaços. Se fosse propaganda de carro, colocaríamos mais mulheres dirigindo carros, mas ainda não descola o ato de dirigir carros a algo essencialmente masculino. Então ela peca por não deslocar o sentido da discussão. Parece as propagandas de bancos que agora usam atores negros, LGBTs e tudo mais, mas não tão nem aí para os seus clientes.

Já a terceira estratégia, ela não vai apresentar nada de novo, mas vai te convidar a ver aquilo que você já conhece com outros olhos. Se fosse um stand up protagonizado por uma negra, ela faria uma piada onde a graça da piada seria você entender como aquela situação não teria o mesmo impacto se ela fosse branca. Ao invés de você rir dela, você é convidado a rir com ela da situação racista que está sendo representada. Essa terceira estratégia é a melhor, ela te envolve, te faz refletir. Mas ela só é possível de acontecer pois os significados mudam. Talvez agora em 2024 essa piada que contesta o racismo tenha graça, talvez em 2070, com o racismo superado (o que eu duvido) ela não tenha o menor sentido.

Tá, mas a gente tava falando de RPG, não tô mais entendendo nada!

Como quebraremos os padrões?

O problema meninos e meninas é que dá pra usar o RPG para quebrar padrões, para contestar a realidade, pra dar uma lacradinha. Não precisa ser esse RPG, pode ser até o D&D se você quiser! Mas especialmente o Mulheres Machonas Armadas até os Dentes faz pois aqui temos protagonistas femininas! Temos heroínas que vão lutar contra o machismo! Isso está na premissa do jogo, não estou apresentando nenuma novidade. Mas qual a melhor maneira de fazer isso? Isso a gente também já conversou na segunda parte do texto, que é contestando a partir do estereótipo!

Um homem com maquiagem de palhaço, que nem o coringa do Batman. Usando uma camiseta por baixo da camisa escrito comunismo. Imagem gerada por IA.
O esquerdomacho é um estereótipo (e vilão) comum do feminismo.

Elementos baseados na realidade

Lembra os inimigos que apresentei? Eu frisei que o melhor era trazer representações de inimigos que fizesse sentido para a nossa realidade. Por isso dei alguns exemplos que fazem muito sentido e outro que se você não manja nada de feminismo não vai entender. Imaginar o pai de família conservador é algo muito fácil. Esse é o cara que está dentro de quase todos os lares brasileiros. Ele não precisa ser um bolsonarista, mas é aquele cara que acha divertido determinar como a filha deve sentar, conversar, pensar… acha maneiro ficar falando para os amigos que vai ameaçar o namorado da filha. É fácil pegar esse estereótipo e criar um inimigo neurótico que acha errado as mulheres terem tomado o mundo e declarou guerra às mulheres machonas. Mas agora o esquerdomacho vai causar um estranhamento do caramba dependendo da visão de política que esse cara tem.

Muitas pessoas não entendem que a esquerda é um guarda-chuva gigante e que hoje abriga tudo o que não é direita. Então feminismo para essas pessoas é coisa da esquerda. Elas não entendem que a esquerda é muito divergente e dentro da esquerda a galera discute muita posição contrária, nem o feminismo é um movimento que concorda em tudo. Tem gente dentro da esquerda que acha que pautas identitárias são perda de tempo, então deixa as questões de LGBTs de lado. Da mesma forma tem gente que acha que as mulheres já conquistaram direitos demais. Então quando precisam defender os direitos de uma mulher não o fazem. Esses caras apesar de serem de esquerda não deixam de ser machistas. Daí o nome esquerdomacho. Então o esquerdomacho poderia até ser um vilão que age como aliado. Pessoas, isso transcodificar!

Bibliografia e palavras finais sobre Mulheres Machonas Armadas até os Dentes

Caminhando para o fim da reflexão, espero ter despertado o interesse em Mulheres Machonas Armadas até os Dentes e ter oferecido algum nível de reflexão sobre o conteúdo. As lições que esse RPG nos ensina tornam-se muito evidentes nesse material, mas isso é que é o legal do RPG: a possibilidade de ressignificar aquilo que a gente já conhece. Se eu quiser posso fazer um D&D que seria o paraíso de um mgtow. Mas se eu quiser discutir pansexualidade com o meu bardo, também posso. Então agora que você conhece mais, aproveite mulheres machonas armadas até os dentes e solte a assassina devoradora de homens que existe dentro de você.

Para quem quiser saber mais sobre a bibliografia que usei para essa pesquisa, vou deixar o link do site do saladerpg. Ainda não criei um programa de apoiadores, mas dá uma olhada nas nossas redes sociais para saber se já tem. É importante seu apoio, nem que seja curtindo, comentando e compartilhando esse vídeo. Muito obrigado pelo seu apoio, até a próxima!

Bibliografias:

  • Quadrinhos na Sarjeta: https://www.youtube.com/watch?v=t5ym6pGc3XI
  • Patrícia Hill Collins – Pensamento feminista negro. Ed. Boitempo, 2019
  • Stuart Hall – Cultura e representação. Ed. PUC-Rio, 2016
  • Greg Porter – Mulheres Machonas Armadas Até os Dentes. Ed. Devir, 1994

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